Edição e tradução por Debora Batista e Melissa Panhol
À medida que o mundo avança para ampliar o financiamento climático por meio de programas de REDD+ Jurisdicional (JREDD+), surge uma questão central: quem se beneficia e de que forma? Iniciativas como a Coalizão LEAF – Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance (Reduzindo Emissões por meio da Aceleração do Financiamento Florestal, na sigla em inglês) representam esforços promissores para mobilizar financiamento em larga escala baseado em resultados, para a proteção das florestas. No entanto, seu sucesso depende, em última instância, de garantir que Povos Indígenas, Comunidades Locais e Afrodescendentes (PIs, CLs e ADs) não sejam apenas beneficiários, mas também tomadores de decisão e co-criadores centrais sobre como esses recursos devem ser distribuídos e governados.
Há mais de duas décadas, a Forest Trends atua nessa interseção, conectando mecanismos globais de financiamento climático às realidades locais. Por meio da Iniciativa Comunidades e Governança Territorial (ICGT), colaboramos com PIs, CLs e ADs em toda a América Latina e no Sul Global para fortalecer a governança territorial, assegurar direitos e conectar a gestão e proteção florestal a mecanismos de financiamento justos e transparentes. Alguns de nossos projetos mais recentes se concentram diretamente nessa missão, promovendo inclusão e equidade no âmbito de programas jurisdicionais de REDD+.
Lições do campo: construindo pontes para o REDD+ jurisdicional
Entre 2023 a 2025, a Forest Trends, por meio da ICGT e de sua parceira no Brasil, Greendata – Centro de Gestão e Inovação Socioeconômica e Ambiental, trabalhou com organizações de PIs, CLs e ADs e com governos nos estados brasileiros do Pará e do Amapá, no estado de Jalisco, no México, e também no Equador. O objetivo central foi o de fortalecer PIs, CLs e ADs para uma participação mais qualificada nas oportunidades emergentes de REDD+ Jurisdicional, além de lançar as bases para processos equitativos de repartição de benefícios e de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI).
Ao longo de 21 oficinas e diálogos, envolvendo mais de 500 participantes, organizações indígenas e locais aprofundaram sua compreensão sobre REDD+, sobre a ART, a Arquitetura para Transações REDD+ e seu padrão TREES; bem como sobre os conceitos que estruturam as abordagens jurisdicionais como um todo. Mesas de diálogo construtivas foram organizadas entre lideranças de PIs, CLs e ADs e representantes governamentais, criando espaços para trocas diretas que contribuíram para a construção de confiança mútua e transparência. O projeto também lançou o Centro de Recursos PICL, para PIs, CLs e ADs, que atualmente reúne mais de 100 materiais em inglês, espanhol e português, sobre REDD+, financiamento climático e direitos de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais.
Apesar das transições políticas nos três países, o projeto manteve seu ritmo ao se adaptar de forma flexível, redirecionando o foco quando necessário e priorizando uma facilitação enraizada em contextos culturais. A experiência demonstrou que a efetividade do REDD+ Jurisdicional não depende de planos, mas de relações baseadas em confiança, respeito e corresponsabilidade.
Construindo a partir da experiência: do SISA à LEAF
As raízes desse trabalho remontam ao Programa SISA, um dos primeiros sistemas de REDD+ jurisdicional do mundo, pilotado pelo estado do Acre e cuja concepção contou com a contribuição da Forest Trends em sua construção em 2010. O SISA (Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais) nos ensinou que a governança não é um subproduto dos mercados de carbono, mas seu alicerce. Essa experiência pioneira liderada pelo Acre demonstrou a importância de estabelecer mecanismos de repartição de benefícios que reflitam a governança e os valores locais, em vez de impor modelos externos.
Hoje, à medida que a Coalizão LEAF e outros programas jurisdicionais se expandem, essas lições seguem sendo fundamentais. Sistemas jurisdicionais precisam ir além de transações impostas e adotar a CLPI como um processo vivo e contínuo. A repartição de benefícios deve não apenas redistribuir ganhos financeiros, mas fortalecer a governança territorial, a resiliência cultural e a equidade social. Nesse sentido, a integridade jurisdicional deve incluir, necessariamente, a integridade social.

Ferramentas de conhecimento para a inclusão
Paralelamente ao trabalho de campo, a Forest Trends desenvolveu ferramentas complementares para apoiar a liderança de PIs, CLs e ADs no acesso ao financiamento climático e de conservação. Nosso Centro de Recursos oferece guias práticos, materiais de formação e recursos visuais para auxiliar comunidades a navegar por temas políticos e financeiros complexos. A série Entendendo o Financiamento Climático, composta por sete cartilhas educativas, explica conceitos como mudança do clima, mercados de carbono, REDD+ e JREDD+, CLPI, repartição de benefícios, a Coalizão LEAF, ART e o padrão TREES. Os materiais estão disponíveis em inglês, português e espanhol. Esperamos que essas ferramentas contribuam para que as comunidades possam participar de forma mais informada nos complexos espaços de financiamento climático e de conservação, com poder decisório para definir os melhores caminhos para seus territórios e seus povos.
Esses esforços de produção de conhecimento são reforçados por nossa publicação mais recente, de 2025, a primeira edição do relatório Estado do Financiamento Climático e de Conservação para Povos Indígenas e Comunidades Locais, que oferece uma visão global dos fluxos de recursos de financiamento climático e de conservação que efetivamente chegam diretamente a PIs e CLs. Com base na literatura existente, somada a pesquisas adicionais, entrevistas e análise de dados, o relatório evidencia por que a transparência e o acesso direto aos recursos devem se tornar elementos inegociáveis de qualquer arquitetura de financiamento climático que pretenda ser efetivamente legítima.
Equidade não é caridade, é eficiência. Quando PIs, CLs e ADs estão no centro do desenho e da tomada de decisão, os resultados são mais robustos, duradouros e legítimos, beneficiando não apenas o meio ambiente e as comunidades em nível local, mas todos os ecossistemas e povos, em uma escala global. Os sistemas de governança de PIs, CLs e ADs, seus saberes ancestrais e sua atuação como guardiões da natureza continuam sendo a estratégia mais eficaz do mundo para a conservação do clima e da biodiversidade.
Um chamado à equidade como integridade
Ao relembrarmos a COP30, em Belém, onde o Brasil recebeu mais de 3.500 lideranças indígenas na Aldeia COP, um espaço histórico co-organizado pelo Ministério dos Povos Indígenas do Brasil e diversos parceiros, incluindo a Forest Trends; nossa responsabilidade coletiva é clara: o REDD+ Jurisdicional deve continuar evoluindo rumo à co-governança e à distribuição justa de benefícios.
Nesse espírito, a Forest Trends promoveu um evento durante a exposição Estação Amazônia Sempre, organizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), intitulado “Financiamento climático: liderança dos guardiões das florestas”. A sessão explorou caminhos para tornar o financiamento climático mais equitativo e efetivo, assegurando que PIs, CLs e ADs assumam a liderança em iniciativas de JREDD+, com experiências apresentadas pelo Ministério do Meio Ambiente e pela Secretaria de Meio Ambiente do estado do Amapá.

Na Forest Trends, entendemos esse processo como uma jornada compartilhada. Programas jurisdicionais como os apoiados pela Coalizão LEAF, entre outros, têm o potencial de gerar resultados significativos quando integram ativamente a liderança de PIs, CLs e ADs, respeitam direitos e fortalecem a confiança entre comunidades, governos e mercados. Reconhecemos que o impacto real depende de uma governança inclusiva que reconheça e valorize aqueles que protegem as florestas.
O futuro do J-REDD depende das relações. Juntos, podemos garantir que cada tonelada de CO₂ represente, não apenas o impacto climático, mas também justiça, inclusão, biodiversidade, prosperidade compartilhada e a proteção dos direitos de propriedade intelectual, conhecimentos tradicionais e conhecimentos ancestrais. Quando fizermos isso, os benefícios da ação climática se estenderão muito além das fronteiras e comunidades, alcançando todo o planeta.
Viewpoints showcases expert analysis and commentary from the Forest Trends team.
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